sexta-feira, 26 de junho de 2020

Cânticos da rosa a partir do céu

Quando uma rosa tímida,
delicada,
desabrocha entre os jardins
mansos de encantamento,
há um céu que a espera,
sorrateiramente,
para sorrir um sol
que dedilha cada pétala
como canção.
Aquela rosa,
desconfiada entre
concreto e ventanias,
corteja um brilho,
apressado pelo
respiro do tempo.
Eis que a rosa
acolhe o céu,
pela cura a partir
de seu aroma,
com a promessa de
entrelaçar destinos
num pequeno amanhecer
de amores
e novidade.


(junho 2020)

sábado, 20 de junho de 2020

Escopo lunar

Num momento,
a lua respira aquele
mar calmo
que margeia a noite.
Arquiteta,
junto às estrelas,
algo que acolha
as frias sombras
dos pensamentos.
Espelha seu imaginário
entre lençóis
e ventos de consolação,
enquanto sussurra alguma
alma dentro de seu
eterno descanso.
A lua sorri atenta,
enquanto a noite,
companheira de sonhos,
reverencia a escuridão
como um templo
redecorado de delírios
perdidos.


(junho 2020)


terça-feira, 16 de junho de 2020

A arte de se encontrar


Dois caminhos insistem 
em se cruzar,
a partir do viés apreensivo
de um sorriso.
Cada palavra é guardada 
feito jóia, 
para que cada estrela pudesse
escrever seu próprio poema.
Os olhos talvez nunca se 
confrontem.
Mas aqueles caminhos, 
estes sim que se encontram,
parecem brincar ao anoitecer.
Guardemos cada momento.
A vida pede recomeço.
Em cada encontro, 
em cada flor ausente,
um brinde
esperançoso de destinos
faz-se canção.

                                                   (junho 2020)

domingo, 7 de junho de 2020

Procura-se

O sorriso largo escancara-se
pelo prenúncio de uma
tourada.
Um cheiro de tinta fresca respinga
no vestígio esverdeado
da blusa.
Traremos cada praça em ebulição
ao conforto dos olhos-mar.
Dentro de cada manhã,
há o requinte de nossas
verdades espalhadas
em ansiosas vidas.

Procura-se

Aquela amizade revigorada
por retratos esperançosos,
com braços abertos para
a simplicidade de cada
infindo verso.

(junho 2020)




sexta-feira, 5 de junho de 2020

Todos estão cegos

O poeta qualquer
recobre seus versos
em viés de tempestade.
Ele urra à ponta da caneta
cada fagulha esperançosa,
soprada assim dentro
de alguma moldura.
Aquele poeta engole à seco
possíveis delírios
empoeirados.
Ninguém o vê.
Todos estão cegos.
Esse mundo cultiva
seu pequeno espaço
caminhando apenas
no que lhe cabe.
O poeta qualquer
se desespera.
Lança a palavra
como templo de conforto.
Mas os tempos são frios.
Todos se contentam com
obviedades fáceis,
estão vendados,
estão cegos.
Um poema diz-se pronto,
quer ser lido.
O poeta cala-se diante de
suas palavras.
Será esquecido dentro
daquela particularidade
mórbida que aflige
seu atordoado instinto.

(junho 2020)



Punhos cerrados

às memorias de João Pedro Mattos e de George Floyd 

A covardia vestindo farda
levou o menino
preto
pobre
favela
horizonte.
Colocou seus joelhos
ao pescoço,
diante do racismo
nosso de cada
segundo.
Aquele segundo que
mata sonhos
sem piedade.
A revolta nasce em brasa
pelas esquinas,
nos guetos alimentados
de alguma esperança.
O grito mudo daqueles
que sofrem
resiste em punhos cerrados.
A covardia fardada é branca
torpe
insana.
De batalha renasce o céu
numa prece em movimento:
igualdade
justiça
paz
lágrima.
Ou não.
Não suportamos
mais.


                                                                                                                                              (maio 2020)

Manhã de outono

Um sol delicadamente materno
desvela a manhã serena.
Entre árvores e ruas contundentes,
seus raios sorriem desejos
pelas praças.
A beleza suave de um pássaro
canta aquela brisa namorada.
E o sol,
tão generoso,
espreita o som vazio de
todo gesto inibido.
O outono se reinventa
em minutos.
Alguma palavra nos molda
pelo infinito esquecido.
E o mesmo sol,
de inquietude maternal,
nos insere em vida breve
à tranquila vereda
do tão sonhado
aconchego.

                                                                                                                                              (maio 2020)

Versos de amor à distância


Queria escrever um poema de amor
daqueles em que o coração pulsa
renascido entre infinitos
e eternos.
Queria construir versos de olhos entrelaçados,
mãos atentas,
que decorem uma palavra
inconsolável.
Mas não consigo.
Há uma canção solitária,
envolvida em meus sonhos,
onde destinos se cruzam
à distância,
onde cada céu se espanta
com pedacinhos de segredos
intermináveis.
A vida é um grande poema de amor.
Não precisa fazê-lo.
Basta recitar o sol
como forma de brindar o mundo,
nos dias em que espero
não te esquecer
entre resquícios de esperanças
frias e iludidas.

(setembro 2019) 

Sonhos de valsa

A tarde se prenunciava solitária,
enquanto palavras ensaiavam 
um baile lúdico.
Reparo um sorriso imenso
que banhava o céu
por um segundo.
O acalanto do que eu não podia ver 
adornava o coração
feito orquídea.
Eis o tempo, que insistia em 
se esconder nas frestas dos
horizontes.
Não sinto nada além daquilo em que
um sussurro me oferece ao bordar
pensamentos.
Vejo alguma esperança flertando
com o decantar de valsas.
Era aquele sorriso enorme,
dourado,
que me acarinhava com seu
pequenino e vasto
alvorecer de ternura.

                                                                                                                                              (maio 2020)

Repouso

O mundo nos fala o silêncio.
Um silêncio daqueles mansos,
que orna uma calmaria preciosa,
confortável.
Necessitamos do abrigo delicado
do refletir,
pois o perigo é invisível,
mas impiedoso.
E nos cuidaremos do perigo
olhando para nós mesmos.
Tentando desvencilhar-se
de qualquer pressa de viver
o enlouquecido tempo.
Paremos por um eterno segundo.
Aquele mesmo segundo
em que o mundo convence
o silêncio a falar.
O detalhe nos espia,
secretamente,
dentro do conforto
inevitável
do pensamento.

(maio 2020)

O surto

Minha gota de álcool
é víscera e grão.
Raiz de um eu completamente
áspero.
Sou dono de meu resto alado,
profusão de vazios.
Imenso enquanto medíocre,
cortejo a revelia
que existe em mim.
Surge de um murmúrio
a redenção covarde de
minha boca.
Somente o desprezo incrédulo
da ausência,
companheira do
desespero,
pode me enxergar.
Afago a escuridão,
encolhida por destinos
súbitos.
Renasço entre profetas
infelizes.
Do surto nasce o verbo
daqueles que não se calam.

(maio 2020)

Poema proletário

O cansaço espreita a migalha.
A roda capital engole
quem se esforça
na busca do pouco.
Os dias são de lutas.
Daquelas bem ferozes,
ininterruptas.
O arroz, feijão, carne,
esperança são escassos.
É preciso força para
não sucumbir à
demência das sombras.
São horas longas,
dolorosas.
O prazer é o cântico da
sobrevivência.
Uma revolta desperta
a partir de olhos proletários.
A vida renasce dentro da
avidez das consciências.
O patrão se cala ante o lucro.
Enquanto o trabalhador,
entre o cansaço e a migalha,
busca seu mundo mais justo,
na beleza intransferível
de seu grito.


(maio 2020)

Vale de acalantos


Aquiete seu coração.
Os sonhos , às vezes,
se dispersam.
E dentro deles há uma esperança
bem sorrateira,
que espreita a vida
dentro de uma esquina
inominável.
Escute aquela brisa,
redecorada entre violetas
enormes,
carnudas.
Aquela em que o céu ainda
não descreveu.
Isso porque a humanidade
(pobre dela)
só quer gritar o que não nos serve.

Aquiete seu coração.
Pois o mundo te espera
para viver,
cada vez mais,
entre seus recantos livres
de plenitude.
(maio 2020)

Secura

Os amores em mim
não existem mais.
Toda secura do meu
toque é pedra.
Toda mágoa de meus
olhos é medo.
E o vício do azedume
agride cada calibre
de nuvem esboçada
em vazios.
Morre-se,
sofre-se,
cala-se,
até não poder mais.
Até não adubar
sonhos irrigados
por amores em mim
que não existem mais.
Vai secando tudo de impossível
que as almas,
dentro de sua redoma,
não conseguem
compreender.


( novembro 2006)

Poema angústia

do que me adiantam
o mar
as rosas
o mal cheiro
de um passado pífio,
se não consigo enxergar 
o que me consome,
lentamente,
dentro de um
prato amordaçado
de desesperança.

(fevereiro 2018)

Vestígios de Judite

O poeta chora a musa por instantes
enquanto ela se deleita em cânticos desprezíveis.
Fascina Judite embevecida por vestes de chumbo,
pesam os ombros.
O poeta escolhe rimas para Judite,
sonhos com Judite,
desejos em Judite,
e, como recompensa,
aquele deboche esquizofrênico brotado
no canto de boca.
O poeta sofre.
Judite se farta da agonia engendrada
por palavras tão inválidas,
incompreensíveis,
incrédulas.
Parece a musa conter-se num mundo em que o lirismo
é um vício sorrateiro.
Pobre poeta...
Judite ri soberbamente.
A lágrima do infeliz se perde na exaustão,
levando a musa junto ao esquecimento.
Agora, é Judite tangendo o detalhe,
conduzindo seu limbo à negação.
Do verso mais contido de seus vestígios,
revigora a cantata de um precipício florido,
A musa reduz-se ao passado.
O poeta agora sorri.
Sossegadamente...

(junho 2015)

Fragmento hostil

a poética aberta
no estômago.
ferida tímida
delicado grito
sobre
mãos atadas.
tiro seco
contentando-se
migalha.
espumas quentes
colhem o tempo
o espectro
o verso.
palavra insana
absorve o gozo
o afeto
ou nada.
aquilo que
se rompe
vocifera
ou atiça
não é mais
que o vazio
escarnando
a boca
da mais bruta
poesia.

(abril 2018)

Em meias palavras

Sujo meu verso com minhas razões,
fruto de loucuras que gritam meu nome.
Tenho princípios que me fogem à regra,
devoram-me como vício,
ventam cada paladar como se fossem únicos.
Sou apenas intérprete de infinitos diversos,
férteis.
Invento caminhos que me rodeiam como 
vulto intransponível. 
É a vida que me corta a garganta 
entre suas arestas confortáveis,
domando anseios meus que contornam
ínfimas inquietações.
Bebo a gota áspera da palavra,
(visionária, incondicional)
confinando cada pensamento desvairado
no grito sublime 
de minhas loucuras.

(agosto 2012)

Entrelinhas

Deseja ao seus olhos
aquela certeza,
como se aflita pudesse
esconder em si mesma.
Quisera assim acolher criança
entre gestos íntimos de fera.
Aquela que encanta liberdade,
tem seus lábios
aguçados pela vida.
Pensa seu tempo como
um só, intransponível.
Detalhes de um delírio
que deliciosamente
é acarinhado por
mãos e sentimentos.
Pelas entrelinhas perdidas
em segredo,
torna-se essência-universo
no contorno de extremos:
canções de brisa selvagem.




(março 2012)

Entre asas e delicadeza

Cantará o voo de borboletas
enquanto sonhos sobrevivem
encantos.
O amor tão delicado consola
mares como cantigas brancas.
Quer tua mão tímida sentir
aquela brisa perdida.
Vive entre flores e flores
o vestígio mudo das estrelas.
Pelas asas,
reescreve-se a paisagem
de um enigma ou sorriso.
Seria a borboleta,
de essência breve,
a criatura doce de teus olhos
brincando teu amor
feito verso e eternidade.

(dezembro 2011)

A volta

Deixai para trás as entranhas de meu conforto
e voltei.
Armado de línguas e ideias inconsequentes,
regido pela mais estranha forma de ostentar abismos,
eu voltei.
Com o pulmão carregado de vidas e caos.
Com cada letra desenhando meu grito incoerente.
Com a minha pesada lira abocanhando
este velho mundo de felicidades mentirosas,
eu voltei.
Sou minha arte destrinchando o verso.
Sou minha carne desfolhando a criação.
Sou a canção mais suja a desabrochar encantos vis.
Eu voltei.
Na imensidão de minha pequena cena fingida,
traço minha loucura
pela ingenuidade mascarada
de um singelo poema.


                                                                                                                                              (junho 2011)

Hoje

Hoje é tempo,
presente,
inconstante,
história dispersa
em iludido rancor.
Injúria triste
do esquecimento.
Hoje me perturbo
ou atrevo-me
num prenúncio de horas
seduzidas em gotas
de ilusões,
realidades.
É meu alento sórdido,
como um passado
renegado ao resto
(morto, sublime)
condecorado
pelo hostil relento.



(abril 2006)

Contemplação

O silêncio sinfônico das brisas
reverencia o espetáculo da vida.
E da calmaria em sóis de veludo
revela-se a gratidão do mar.
Um templo em azul decora pássaros,
exibe a harmonia do tempo,
cinge a simplicidade das flores
em pequenos espelhos de prata.
É o aroma vindo dos grãos de mundo
espalhados em cantigas de roda,
no suave brilho surgido nos olhos
fartos dos campos,
na brevidade eterna dos sonhos
que libertam sensações findas.
Sentimentos vagam por beiras e ruas
escalando cinzas de concreto:
querem falar de amores.
Os amores exalados nos cílios da natureza.
Os amores escondidos nas frestas
de mentes humanas.
São apenas os amores que desvendam
o espetáculo da vida,
visitam a sinfonia ínfima das brisas
e fazem da serenidade das almas
a contemplação de apenas ser.
Tão somente ser.


(maio 2008)

De lágrimas e sonhos

Chore rosas tuas
abertas em sonhos
que comovem estrelas,
rastreiam ventos,
conservam o que há
de tão infância
em tuas horas.
Cante fartos desejos,
pois deles se escrevem
as linhas mestras
de cada vã ternura.
A vida tende a brevidade.
O eterno sobrevive ao corpo.
Todas as crenças são esperas.
E as rosas renascem em
tua lágrima e sonham.
Simplesmente sonham...


(agosto 2011)

Dilúvio negro

Farei de mim algo em canções tristes.
Céu vem dilatar minha voz cansada.
Determina-se poeira a silêncios,
chuva incrédula.
Luto por minha entranha no
resquício de todo esforço.
Sou em que trago o negrume
dos desesperos.
Do caos inflama o semblante
da gravidade.
O horror de armadilhas tristes
arranha certezas fincadas em areia.
Cortejo o vento em gotas tão surdas
que machucam e deliram.
Dessa vertigem, resta-me a agonia
despedaçada, distante.
Devoro assim a sombra infame
da desesperança abismada
em meu sossego.
Serão reclusos tempos de inverno.

(junho 2011)

Lirismo insensato de algum retrato

O retrato amansa o céu
noite que sonha jasmim.
Falo-te amor em segredo,
o que resta, encantamento.
Quero teu relevo em versos
recolhidos a mim atentos
por teus beijos contando brisa
sentindo meu rosto a espera.
A lua deita-se penumbra
desfolhando teus braços orvalho
do mar ostentando estrelas
rompendo silêncios redesenhados.
A musa cativa-se retrato
por essência brotada dos lábios.
Noite cantada em jasmim
corteja o semblante azul,
corpo, pintura,
templo meu.

(março 2011)

Sexo e outros poemas

É preciso dizer:
o amor é um detalhe tosco.
Vive dizendo mentiras em série,
nos ilude,
arranca nossos olhos.
Até cortar o último sorriso
das estrelas
e cobrir suas sequelas
em solidão.
...
É preciso dizer
que o amor debocha da eternidade,
acha graça dos casaizinhos imunes
ao tempo,
nos ridiculariza ao extremo
mais infame do medo.
O amor não perdoa.
Respinga em homens descrentes,
em senhoras respeitosas
nos jovens impetuosos,
coraçõezinhos ingênuos
que insistem na estupidez
de amar, amar e amar.
...
Pois é preciso dizer:
O sexo fica muito melhor
pra depois do poema...



Cadáver

Um ser inerte lambe o asfalto cru.
A carne apodrecida convida passantes
ao espetáculo cinzento.
Insensatos vermes deliciam-se no aroma
grotesco das sombras.
Aquele bicho inusitado,
feito de náuseas
e silhuetas fúnebres,
se aquece nos horizontes cantados entre
aconchegos e enxofre.
O mundo parece ignorá-lo.
Pacientemente,
tal morto contempla sua nova casa
com pensamentos precisos,
talvez inválidos,
interrompidos por uma canção de sirenes
que anunciam a sua hora:
há de chegar então
a tumba frígida e pesada
de seu próprio esquecimento.

Poema do encantamento anunciado

Brisas, louvor, anunciação...
É a manhã confessando
boas vindas à ternura,
passeando sonhos,
acalmando mundos,
sorrindo amores.
Talvez seja um ser alado
rompendo um breve canto
de delírio.
Ou quem sabe um verso
com a exatidão de algo
a desfolhar o vento.
O aroma doce das flores
modela um certo requinte
que há em seu contento,
resistindo nos olhos tímidos,
preenchendo a gratidão das formas.
Pois não é tal criação musa.
Sequer pode dizê-la deusa.
É apenas a feição completa do
que vive a ser sentido, estrela
ou encantamento.
(março 2008)

Poema do quadro negro

Tenham todos um bom dia.
Aquele dia meio torto
de lábios eloquentes,
ensandecidos,
estarrecedores,
com um leve gosto
desalmado de amargura,
acorrentada pelas
gotas infames
dum certo café.
(maio 2006)

Morada

Moro onde mal cabem grutas.
Cães medonhos cospem vozes.
Finas trevas jamais se tocam.

Moro nas jangadas de cirandas tristes.
Ruas costuram-se em constelações
pela loucura vaidosa dos desesperados.

Moro na amargura dos cantos
migrando restos de minhas verdades.
Esbravejo um dia sujo
na receita absurda de
cada grão de vida,
a piedade de meus sossegos:
morada das incertezas.

(agosto 2010)

Avesso do meu avesso

Meus olhos queimam a lástima
cuja profundidade emoldura a vida.
Seria a vida produzindo a glória?
Contrário peso duma vitória perdida.
Desejo ser uno, plástico, intenso
irritando-me ao descaso de meu corpo
Acuado, manchado pelo senso de sempre
e pelas intrigas dos lampejos de agora.
Talvez me perca no meu avesso
dentro do mote em que o fim é recomeço
tendo a mim o clamor de certa lógica
pelo reverso de tudo que desconheço.

(janeiro 2006)

Gelatina de framboesa

O mundo molda formas
numa geleia de framboesa.
Nunca antes tão coesa
no distante que me cerca.
E tal fruta tão descrente
cuja crença é minha rima
nessa forma de desejo
tão gelado quanto a vida.
O tremor de sua base
faz do gelo a pretensão
acordando parte a parte
o aroma em heresia
como o ardor de gelatina,
e seu gosto de incertezas:
ilusões de framboesa.

(julho 2006)

Retrato de menina

Uma menina pinta um quadro
à palavra, tinta e alma.
Colore a vida em letras
tristes,
singelas,
como se a tela lhe bastasse,
vaga e solitária,
em suas nuvens de algodão
e pensamentos.

Uma menina se vê céu,
brincando de sonhar estrelas
no semblante de seu mundinho
entre lençóis de azuis,
redescobrindo a brisa
(bordada a lápis e ternura)
escondida detrás
de seus pequenos versos
de criança.

(agosto 2010)

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Sapê

Direi daquela noite
teus olhos íntimos,
sabores desnudos
cantigas.
Acorda em mim
pele emoldurada,
esquecidos sonhos
vertigens.
Mãos procuram-se
em esperanças,
palavras roubadas
destinos.
Gestos em desordem
despertam o vento,
inquieto céu
contemplação.
Direi daquela noite
teu sussurro,
vértice de mim
recomeçar.
(setembro 2010

Tributo mineiro

Os rios em Minas roçam os seios da terra
e desdobram-se nos sorrisos mais bem
temperados.
É nas veias dóceis dos trópicos de sua
pele que arde o véu lúdico e dourado
do sol.
.
Os rios hidratam a latitude do fino
sabor, que vagueia pelos acordes rústicos
da vida.
Pelas terras, é tragado o instante vivo
das luzes, rimando com os olhos atentos
à intensidade do tempo
.
Os rios em Minas são acolhedores.
Alvorecem suas curvas na limpidez
lírica de um entardecer.

(novembro 2007)

Carta sensorial a uma desconhecida

Querida desconhecida,


.....Venho por meio desta lhe confessar todo meu apreço. Muitas vezes, entendi que possuir-te era um capricho mortal atrelado ao meu ávido instinto. Mas percebi, adiante, que as vestes de teu corpo encobrem um lume vivo envolto em sua carne.
.....Vê, cara desconhecida, que tu entraste em meu destino como mais uma entre outras todas. Porém, foste vinho tinto raro, embriagando-me com um sabor único que trepida em minha mente e que pulsa lentamente em meus delírios.
.....Ora, minha querida, não deixes que tua impureza gravite pelo ócio alheio. És santa no ofício da arte de amar, transbordando em tons vermelhos toda a loucura pertinente em minhas entranhas.
.....Para encerrar, quero que faças do teu querer o meu querer e então possamos atrever-nos a estraçalhar tudo aquilo que não for amor, abstraindo assim os demais que transitam entre nós.
.....Com afeto, de seu alguém ou de algum qualquer.



(outubro 2005)

Poema dos trinta anos

Três décadas.
__A maturidade bate à porta.
__Quer um gole de juventude.
__Quer alvorecer no delírio
__das coisas mais simples.
__Devorar meu mundo na
__vertigem de cada verso.
__Quer conceber a estrada
__de meu tempo pelo suor
__de minha letra.
__em cada capítulo de vida
__que se espalha por toda
__face do infinito.
Três décadas.
__Sou maestro decantando um
__destino incondicionalmente meu.
__Sou ausência refletida nos
__contornos finos da solidão,
__no imaginar de musas
__em ventania e contemplação,
__no implacável passar das horas
__que me louva ao despertar
__das brisas.
__Torno-me imenso nas pegadas
__tracejadas do pensamento, brotadas
__em vastos recantos de estrelas.
Três décadas.
__Virá enfim o futuro, tomado
__pelos longos braços da maturidade
__que anuncia a nova era,
__reverencia a graça dos dias
__e beberá da eterna juventude.
__De pouco valem as dores,
__agonias ou sentimentos.
__O que importa é celebrar
__o mais sublime momento
__de ser um certo menino,
__um recém-nascido de apenas
__trinta anos.
(abril 2008)

Violetas

Quero o relatório completo sobre o nada"
Raquel Gaio
Canções silvestres
fazem brotar poeira
redescobrindo
saias e versos.
Vão absorver olhos,
recortes firmes
como o eco
mudo da noite.
A terra move
o sentido dos véus,
entrecortada carne
no porvir de surtos
e violetas.
Sentirá o eternizar
súbito dum gesto,
reverenciando enfim
desejos dúbios
em cortejos de brisas.
(abril 2010)

Sofá II

Não há sol, nem mar.
Nem mesmo a fome que não importava,
sequer a imagem que exagerava
em duplicar a mente.
As mãos...Sim, as mãos
continuavam atadas
esperando sorrateiramente
o atravancar de meus sonhos.
O só é contínuo,
pois o artista é ingênuo
e sua obra, desnuda.
Tempos se passam,
passam-se as vidas,
mas a lida do poeta
é sentida, rosnada
e enterrada num intenso blefe
de ser por todo sempre
apenas um sofá.

(agosto 2006

O teu vestido

Abaixo das barras de teu vestido,
acima das linhas de meus sonhos,
silencio-me em teu leve corpo
fino, moreno, insólito,
com um grato cheiro de jasmim.
Os cabelos esvoaçam num
bailado úmido
por um momento tímido
que balança órfão da
essência voraz do
alvorecer.
Pelos teus lábios, pele,
coxas e tudo, a densidade
de meus olhos em
todo tempo desvela-se através
das barras de teu vestido,
delirando todo o meu
estardalhaço presunçoso de
decantar a beleza infame
de teu lírio,
para minha tênue
sobrevivência recolhida
em pedaços.

(novembro 2006)

Neve

Pequenas mãos modelam versos
no ventre da manhã.
Veja a vida apontando branco
branca luz e nuvem.
Tímidos olhos buscam em si
crisântemos sonhadores
valsas de lirismos ornamentados
em cristais de orvalho.
Da ansiedade a flor nascem cores,
abraçando à menina lábios
sortidos de gelo.
Silencioso poema linguagem e vereda
renasce clarão de formas.
Campos multidões dizem o mundo
ardem sentidos nos versos,
ventre da manhã:
fogueira de neve.

(março 2009)

Tem que ser

Quisera boca e alma ao vento
como pele e bronze seja a vida,
silêncio arbusto de amores
porto seguro ao sol menina.
Olhos nus de claridade
tecem orvalho às mãos,
delírios de lua.
Sob o céu quente de estrelas,
eis macio rosto pousando rios
mares desvelando retinas de pedra.
Pálidos gritos de rosas se encontram,
lapidam sonhos semblante dourado
seda florescendo o canto dos deuses.
Assim tem que ser lida:
desperta tal como um beijo
sentimento delicado do mundo.

(julho 2009)

Escalada

algum céu azul, entre cacheados de brisa  e segundos florescidos, delira um brinde à esperança  enquanto espero, ansiosamente, a próxima vag...